quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Legislação

SÍNTESE:
LEI SIM, RÍGIDA NÃO, OU A MÃO DO SENADOR



Porque, quase sempre, não se cumpre a lei no Brasil?
Pedro Demo (1998) aponta duas razões razoavelmente distintas: o conceito de letra lei (sem brecha) e de espírito da lei (recusa-se a ser aprisionada). Portanto o mesmo segue dizendo:

“... uma lei de educação precisa, primeiro, ser curta, para não dizer besteira, e, segundo, insistir em propostas flexíveis, para não atrapalhar a vontade de aprender. A LDB tem algo disso, embora tenha predominado o peso histórico dos interesses em jogo”. (p.15)

Pode se concluir que a LDB vale pouco, não porque seja ruim, mas porque falta compromisso educativo, na verdade, é um problema de cidadania. Observe a análise de alguns artigos que se segue e veja os ranços e avanços na LDB que perpassam pela flexibilidade no que diz respeito ao direito à educação e o dever de educar, organização da educação nacional, gestão e avaliação/progressão.
Art. 34
Ranços – a ampliação do período de permanência fica a critério da boa vontade dos sistemas de ensino. Ficando apenas na exigência do esforço, permanecendo apenas no âmbito de um compromisso moral.
Art. 4 ss
Ranços – a lei desconsidera certos fatos, omitindo uma realidade social em que a desigualdade está profundamente arraigada, dessa forma a falsa idéia de chances iguais para todos submete a classe subalterna a assumir a sua culpa por falta de êxito.
Art. 4, II
Avanços – embora haja um atraso na cobertura, sobretudo qualitativa do primeiro grau, mas já assinala que uma sociedade mais desenvolvida cuida de oferecer para todos o segundo grau.
Art. 4 § 5
Ranços – a lei quer ver o acesso de todos irrestritamente, o que é algo exagerado, pois não leva em conta a escolarização anterior, o maior prejudicado será o aluno. A estase é na permanência na escola e não na aprendizagem efetiva.
Art. 15
Avanços – autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira, sem a mesma, a educação poderia terminar em adestramento.
Ranços – os recursos financeiros são poucos, mas se a escola não consegue administra-los é porque é incompetente, ou seja, uma falsa autonomia.
Art. 8, caput
Ranços – o sistema de colaboração entre União e estado é mal interpretado, acaba caindo no dito popular, “o que é de todos não é de ninguém”.
Art. 9, III
Avanços – estabelecer a necessidade de um plano nacional de educação para que o país tenha uma estratégia comum e os esforço e recursos possam atuar em direção convergente e cumulativa.
Ranços – poderia significar um trunfo centralizador, que conferisse à união um comando verticalizado.
Quem elabora esse plano?
Art. 9, IV
Avanços – serão comuns apenas, seus conteúdos mínimos, tem sentido metodológico propedêutico (ex. saber pensar), dentro do possível dentro do possível devem existir graus de variação que respeitem os sistemas específicos.
Ranços – deveria seguir a hierarquia LDB, PCN, plano decenal, currículo, proposta pedagógica (projetos escolares), mas atropela essa ordem por conta dos prazos e as vezes por falta de profissionais preparados para atuar, ( mais uma vez, quem os elabora e em que situação são elaborados?).
Art. 9, V, VI, e VIII
Ranços – centralização, levando nos a crer que se houvesse uma “guerra”, não haveria universitários para serem perseguidos.
Art. 12 (complementa o art. 15) e 14
Avanços – consagra dois princípios educacionais cruciais – gestão democrática e o espaço próprio de cada sistema conforme suas peculiaridade.
Ranços – a quantidade dos recursos financeiros são inferiores ao número de alunos do ano corrente, baseia-se em dados do ano anterior.
Art. 23
Avanços – coloca todos os meios a serviço do fim maior – o processo de aprendizagem – o que está sempre presente é o sistema de ensino.
Ranços – necessidade de uma lei complementar para que o sistema de ensino prepare o professor para tal escolha – o PCN existe, mas não garante a aplicabilidade.
Art. 24 §1
Avanços – a avaliação/promoção visa à qualidade do aluno, valorizando seus saberes anteriores em consonância com a aprendizagem. Neste sentido a lei garante a autonomia de cada escola.
Art. 25
Avanços – considera aqui direto do aluno e condições do professor, de modo que a relação professor-aluno não baseia no corporativismo.
Ranços – o parágrafo único, a flexibilização deixa brecha para má interpretação, abuso do direito, podendo manter, por exemplo, turma com um pequeno número de alunos para manter a carga horária de alguns docentes em particular (interesses pessoais).
Art. 26
Avanços – valoriza as marcas locais, acentuando também no caso das escolas rurais.
Ranços – o conceito de clientela, conde o direito de consumo com cidadania.
Art. 32 § 2
Avanços – flexibilidade levando em conta o sistema de ensino.
Ranços – confundir flexibilidade com o abuso de poder interpretar. Pode também ser mal aproveitada para cultivar corporativismos locais e classistas, guiando a flexibilidade para proveito próprio.
Art. 81
Em resumo da brecha para desconsiderar toda a lei.
Ao mesmo tempo em que uma Lei flexível parece bem coerente, deixa também lacunas com as seguintes brechas, conforme esposto por Demo (1998):

“(...) abuso ao direito de interpretar (...);
pode também ser mal aproveitadapara cultivar corporativismos locais e classistas, guinando a flexibilidade para proveito próprio (...);
pode principalmente ser mal interpretada pelas autoridades locais (...);
pode-se chegar ao exagero de considerar particularidade local o que é parte da metologia comum (...);
por fim a flexibilidade pode ser confundida com um certo “vale tudo”, seja no sentido de não precisar prestar contas a ninguém, ou de denegrir os níveis superiores, ou – o que seria muito preocupante – de vender como criatividade local ofertas pobres para pobres (...).”

Dentre os artigos analisados, um dos aspectos abordados por Demo (1998), que observo a concretização na minha prática pedagógica é referente à avaliação/progressão.
Em 1998, quando iniciei a carreira no magistério e a LDB ainda era bebezinho, a Rede Municipal de Irecê, adotou a promoção dos alunos matriculados nas turmas de aceleração (Acelera Brasil) como critério de avaliação, de acordo com o artigo 24 §1, considerava-se as aprendizagens dos alunos que era acompanhada durante todo o ano letivo por uma série de instrumentos analizados no final do ano por uma equipe, sendo o parecer final do professor regente da turma. Era um dia de angustia por conta do tamanho da responsabilidade envolvida.
Neste ano, situação semelhante é vivenciada nas turmas de EJA (séries finais do ensino fundamental), alunos com aptidões necessárias para dar continuidade em uma determinada série, são promovidos.
Portanto é razoável perceber que temos uma lei sim, rigida não, seria a mão do senador?

REFERÊNCIA:

DEMO, Pedro. A nova LDB: Ranços e avanços. 6º ed. Campinas: Papirus, 1998.

Um comentário:

Delian disse...

Rita,concordo com você existe muitas brechas na lei para facilitar a não concretização da mesma.