sexta-feira, 21 de novembro de 2008

GEAC

FORMAÇÃO E MEMORIAL


A memória é como uma peça de museu, quanto mais velha (madura), mais valorizada ela é. A valorização das memórias humaniza cada individuo, que deixa de ser apenas um individuo, passa a ser um todo... Isso é fascinante!
Tenho uma velha opinião formada sobre “tudo”, mas me disponho a ser uma metamorfose ambulante...Embora neste momento, minha opinião continua sendo a mesma da primeira versão deste texto.
O debate trouxe questões que dão panos para mangas, sobretudo em relação ao ato de escrever, o medo é o bicho-papão dos cursistas, medo esse que tem levado vários estudiosos a escrever sobre o tema, por exemplo, Freire (1996), diz: “mas escrever, registrar, refletir não é fácil... dá muito medo, provoca dores e até pesadelos. A escrita compromete. Obriga o distanciamento do produtor com o seu produto. Rompe a anestesia do cotidiano alienante.”
Cecília Warschauver (in: Freire, 1996), fala do medo de forma poética, porém intensa:


Por que exigir tão pouco de mim?
Por que um diário tão fraco?
Por que dormi tanto por noite?
Por que esta sempre pondo a culpa na falta de tempo?
Será que não é uma saída mais fácil?
É novamente o MEDO!
Medo de criar
Medo da responsabilidade
Medo de sofrer
Medo de brigar
Medo de levantar a voz para as crianças
Medo de tocá-las
Medo de ser EU mesma do jeito que sou.

O que afinal produziu esse monstruoso medo?
No nosso histórico como alunos, a nota acabava sendo a real motivação da efetiva participação nas atividades de leitura e escrita. Seria essa a funcionalidade?
Esse dilema ficou enraizado no meio escolar, quando o professor escreve, escreve para que, ou para quem? Exigência da coordenação, relatórios, meras burocracias que vão para gaveta. Os programas elaborados pelo MEC tinham como metodologia à escrita em cadernos de registro individuais e coletivos, não como instrumentos de fiscalização, mas como uma documentação para a reflexão sendo este ponto de vista expresso no guia do formador do PROFA (Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, 2001)

“A reflexão por escrito é um dos mais valiosos instrumentos para aprendermos quem somos nós – pessoal e profissionalmente – sobre a nossa prática como educadores, porque favorece a tematização do trabalho realizado e do processo de aprendizagem, o desenvolvimento da competência de escrita, a sistematização dos saberes adquiridos e o uso da escrita como ferramenta para o crescimento profissional.”

Porém quando chega na ‘ponta’ a idéia é equivocada, o professor deixa de escrever para si e passa a escrever para o outro, mera obrigação do oficio. Como foi dito no debate esses cursos não causaram impacto, como a formação superior está causando, desconfiada, perguntei ao grupo: se o curso fosse interrompido agora, quem continuaria escrevendo o diário? – ninguém – portanto o que causa impacto ainda é a avaliação. Mais assustador ainda são os relatos acerca dos colegas egressos, a escrita não incorporou no cotidiano de alguns, embora tenham obtido o diploma, levando-nos a questionar: será que é apenas um sonho acreditar que fará a diferença no nosso caso? O futuro nos pertence... Mas a maior dificuldade no momento vai além da tematização da prática, precisamos relacionar a parte com o todo, todos estão no seu mundinho querendo se achar no cenário mundial. Além disso, há alguns, ainda se referindo a narração como descrição, não reconhecem, essa, como uma das características da narração.
Escrevo para organizar as idéias, creio que a palavra falada é fugaz, a escrita documenta, memoriza. Possibilita a reescrita seja da minha, da tua, da nossa história. Reporto as palavras de Clarice Lispector (in: Guia do PROFA, 2000): “Escrevo porque à medida que escrevo vou me entendendo e entendo o quero dizer, entendo o que posso fazer. Escrevo porque sinto necessidade de aprofundar as coisas, de vê-las como realmente são...”
Escrever nem sempre é prazeroso, às vezes, como diz o poeta é semelhante a carregar água em peneira ou como diria Warschauer (in: Freire, 1996) “escrever é um exercício de vida e morte”, já faz parte de mim, escrevo para meu bel prazer.

REFERÊNCIAS:

FREIRE, Madalena. Observação, registro, reflexão instrumentos metodológicos. 2ª ed. São Paulo: Artcolor, 1996.
SOLIGO, Rosaura; SOLIGO, Angélica (org.). Programa de Professores Alfabetizadores: guia de orientações metodológicas gerais.Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Fundamental, 2001.


Um comentário:

Anônimo disse...

como você escreve delicioso viu!
Estou aprendendo legal com suas produções. As citações que insere nos textos me leva a buscar outros ricos textos para poder inteirar-me do que realmente defende.
Tudo que fazemos é fundamental quando temos retorno, talvez por isso escrever por escrever não tem tanta emoção e nem atração. Os escritores renomados escrevem porque sabem que vão ter retorno, pois tantos outros vão ler com o objetivo de tentar passar para outros e outros que precisam de uma indicação para leitura. Leio e escsrevo porque gosto, mas leio e escrevo aquilo que gosto, aquilo com que me identifico. Terminar um curso de pedagogia e não adquirir um hábito saudável de leitura e escrita é dizer que fez um curso em troca do canudo. Temos tantos e tantos que cursaram e não despertaram esse bom hábito,talvez porque não perderam o medo, não deixaram de sentir dor ou até mesmo se intimidaram com a escrita de outros.
Sinto a firmeza de uma boa leitora nos seus textos, aquela que aprecia, acaricia e também endurece as palavras com aquele(s) que faz de conta de ser universitário, que demagogia o curso que cursa e até aqueles que admitem escrever e ler porque sentem a cobrança a todo instante.
Não tem nada melhor que fazer as coisas com gosto de fazer. Sinto esse gosto em você Rita.
Do aprendiz sempre,
Gervásio Mozine