domingo, 31 de outubro de 2010

ETNICIDADE: DIPLOMA DA/NA ROÇA


A etnicidade estuda a fusão entre raça e cultura. Pensar essa temática no território brasileiro é complexo diante da diversidade existente. E pensar etnicidade na realidade do jovem – adolescentes, é mais complexo ainda, pois além das mudanças de ordem biológicas, naturais da idade, eles têm de lhe darem com as questões de identificação, isto é, etnicidade.

Irecê é uma cidade localizada no sertão baiano que comporta vários territórios rurais, dentre eles a Vila Angical, que fica a 15 km da sede do município, que tem em média três mil habitantes. São os jovens – adolescentes desta localidade que serão apresentados nos parágrafos seguintes.

A Escola Municipal de Angical atende a alunos de Educação Infantil e Ensino Fundamental I e II. 80% dos alunos do Ensino Fundamental II, que tem entre 11 e 14 anos, foram ouvidos em relação à rotina diária deles e suas expectativas no tocante ao futuro.

Na rotina das garotas quase todas ajudam as mães nas atividades domésticas, inclusive cuidar dos irmãos mais novos. Alguns garotos ajudam os pais na roça, visto ser a atividade econômica predominante na comunidade, outros molham os canteiros e cuidam dos animais de estimação ou que complementam a renda da família, como galinhas, porcos, bodes, vacas, cavalos, etc.

Em meio aos trabalhos, ainda sobra tempo nas manhãs desses jovens para praticarem esportes, na única quadra poliesportiva da localidade, que já se encontra bastante deteriorada. Esse mesmo local é um dos points frequentados pelos jovens à noite, seja para jogar e/ou observar outros jogando, paquerar, namorar, fazer e manter amigos. Na verdade, essa é uma das poucas áreas de lazer que eles têm acesso.

Aqueles que não se encontram na quadra à noitinha estão na praça, também única, cumprindo o mesmo ritual – paquera, namoro, bate papo com amigos e alguns já iniciaram a experimentação ao álcool e talvez drogas ilícitas. Outros controlados pelos pais ficam em casa vendo televisão ou no máximo vão à casa dos vizinhos e uns poucos declararam que optam por um bom livro ou fazerem as tarefas escolares passadas para casa.

Nos finais de semana acrescentam à rotina, atividades religiosas. Mais de 50% dos meninos e meninas frequentam as igrejas locais que somam um total de 7 templos, entretanto quase todos são membros da Igreja Católica, na qual envolvem-se no grupo de jovens, embora haja aqueles que usam o horário das atividades religiosas para fazerem, em torno da igreja, o que a maioria faz na praça e na quadra.

As poucas lanchonetes, também são usadas como ponto de encontro da garotada, sobretudo nos finais de semana. Além desses locais citados eles vão à lan hause, principalmente para fuçar o Orkut e aqueles que têm computador em casa dizem que o utilizam frequentemente para jogos eletrônicos. Vale ressaltar que, em Angical, os jovens ainda têm o hábito de frequentar à casa das avós diariamente ou pelo menos nos finais de semana. Porém, há aqueles que tiram o final de semana para visitar o pai ou a mãe, filhos de cônjuges separados.

Atualmente 80% desses alunos frequentam o curso de computação oferecido pela escola no turno oposto a aula, ou seja, pela manhã, visto que todos eles estudam à tarde. Para alguns, o primeiro e único, contato que tem com o computador, do qual falam com encantamento. Em contra partida, na mesma sala do laboratório de informática, funciona a biblioteca da escola, mas só 2% dos alunos pesquisados mencionaram a visita a biblioteca como parte da sua rotina, embora se observe que frequentemente façam empréstimo de livros. Provavelmente não tenha o mesmo grau de importância, principalmente na era digital, daí a supremacia do computador.

Durante o ano a localidade conta praticamente com três festas populares: em junho, a festa junina promovida pela escola, faz-se quadrilhas na quadra poliesportiva que fica de fronte a escola, com direito a tudo que a tradição manda – pau de sebo, quebra pote, fogueira em pé, casamento na roça, barracas com comidas típicas e por fim um grande forrozão com um artista da região; entre setembro e outubro acontece o Evento Cultural de Angical, também organizado pela Escola Municipal de Angical. Em ambas, os jovens são platéia e atração; outra festa certa, é a da padroeira, que é realizada no dia 13 de dezembro, bem antes inicia as novenas, que tem a culminância com a missa e a procissão. Em contraste com a festa religiosa, na mesma noite uma boate local promove uma festa ‘mundana’, é para essa que a maioria dos jovens vai, quer acompanhado pelos pais ou não.

Quanto ao futuro desses jovens, eles têm muitas expectativas. Na sua totalidade esperam ter bons empregos, ganhar muito dinheiro, ter casa própria. Enumeram várias profissões ao mesmo tempo, mas poucos mencionam a continuidade dos estudos como um meio para chegarem lá. Alguns querem construir sua própria família. Outros descartam essa ideia e sonham com um futuro mais aventureiro como: dançarinas, cantores, jogadores, atores e até ganhar na loteria. Porém, esses mesmo jovens querem ao mesmo tempo ser veterinários, pediatras, bancários, etc.

Um número considerável de meninos e meninas mencionou o desejo de se tornarem policiais. Será que é por que Angical tem um posto policial fechado, sob a alegação da falta de profissionais? É uma hipótese, no entanto, o sonho desses jovens não estar ancorado na localidade, não tem o sentimento de pertencimento, ninguém mencionou algo que passe a ideia do crescimento coletivo para o fortalecimento da comunidade. Nas entrelinhas querem mesmo é ir embora, em busca de um possível progresso que está lá fora.

A Escola Municipal de Angical já foi palco da ‘formação inicial’ de vários jovens, inclusive da maioria dos professores que hoje lecionam nela. O que um dia foi expectativa de futuro para eles, hoje é presente. O que se concretizou? Certamente os sonhos não eram diferentes dos atuais alunos.

Nas duas últimas décadas, 90% conseguiram concluir o ‘segundo grau’. Na década de 90 quase todos fizeram o curso técnico – o magistério e por falta de opção no mercado de trabalho local, procuraram emprego na área de educação, hoje pedagogos ou graduandos em pedagogia e em outros cursos de licenciaturas.

Já na primeira década do início do século XXI, com a extinção do curso técnico, se popularizou o Ensino Médio, preparatório para o Ensino Superior, alguns ao concluírem fazem cursinhos pré vestibulares e tenta o vestibular, aqueles que obtêm resultados positivos ingressam em universidades na sede do município ou em outras cidades.

Outros continuam tentando o vestibular, mas a grande maioria segue a mesma carreira das gerações passadas, vão para roça viver da agricultura. Ou tiveram um futuro/presente trágico, o alcoolismo pelos bares e esquinas da comunidade, sem dinheiro e nem moral para manter uma família que deram início precocemente. Alguns foram tentar a sorte fora, entre eles há os que sonham em voltar, outros esqueceram suas raízes.

É nesse contexto que os atuais jovens da Vila Angical sonham com um futuro brilhante, mas não menciona a educação como trampolim para conquistar esses alvos. Alguns até retrucam: ‘Estudar para quê? Não preciso de diploma para ir para roça...’

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