domingo, 31 de outubro de 2010

ESAIO - CINECONTEXTO


ADEUS, LÊNIN!
IDEOLOGIA X MENTIRA
POR: Sirleide Araujo e
Rita Cácia Fernandes

Durante 28 anos a Alemanha foi dividida por um muro, o famoso Muro de Berlin, o qual dividia além do território, pois criava uma barreira ideológica, de um lado a República Democrática Alemã – RDA, ou seja, Alemanha Oriental, que vivia segundo os ideais do socialismo real e do outro lado, a República Federativa Alemã – RFA, isto é, Alemanha Ocidental, defensora do capitalismo.

É nesse contexto que o cineasta Wolfgang Becker, produz o roteiro e dirige o filme Adeus, Lênin! ao tempo que faz ressurgir o cinema comercial alemão, após um longo período de instabilidade marcado por pouco público e frieza dos críticos. Lançado na Alemanha em 2003, o filme foi um sucesso.

A história é ambientada em 1989, exatamente no ano em que o Muro de Berlin cai e as Alemanhas são reunificadas, esse é o pano de fundo da trágica comédia Adeus, Lênin! Trágica, porque a trama se passa a partir de um infarto que Sra. Kerner (Katrin Sass), uma socialista convicta sofre, após ver o filho em uma manifestação pelo fim do socialismo, ela entra em coma. Durante os oito meses em que ela fica desacordada, o muro cai e o mundo dela deixa de existir. A comédia começa quando o filho dela, Alex (Daniel Brühl) recebe a notícia de que sua mãe não pode ser contrariada, uma vez que, não resistiria outro infarto. Talvez inconscientemente, por remorso de ter causado o infarto, o filho começa a reconstruir a história da Alemanha Oriental, motivado pela dor da culpa ou sobretudo, pelo desejo de manter sua querida mãe viva, haja visto, que o pai já não se encontrava com a família, preferiu a ‘fuga’ para o Ocidente. Em meio a tantas sutilezas é difícil definir o que é comédia e tragédia nessa produção.

O próprio título do filme, deixa explicito que o mesmo é uma alusão ao fim do socialismo , que tem como mentor - Lênin - na Alemanha Oriental. Entretanto há algumas questões que vão se desenrolando implicitamente durante os 118 minutos em que as fotografias se movimentam na tela. Por exemplo, a figura histórica e real de Sigmund Jähn, um astronalta alemão que se destacou no espaço em 1978, Alex, mesmo sendo criança, o adimirava e na vida adulta o encontrou frente a frente como motorista de táxi. Simbolicamente, sua trajetória (no filme), de herói a motorista de táxi, resume a derrocada da Alemanha Oriental.

Outro simbolo dessa derrota é marcada pelo fato da irmã de Alex, Ariane (Maria Simon), ter saído do curso universitário para vender lanche fest-food, após a unificação da Alemanha. Ainda ressaltando a supervalorização do capitalismo ocidental, quando Alex vai ao supermercado comprar antigos produtos alimentícios para sua mãe e esses saíram de linha, ele leva outro produto semelhante e os coloca nas embalagens dos produtos anteriores, as quais se encontravam no lixo, como disse o vizinho – nem o lixo os ocidentais quizeram recolher dos orientais– para savação de Alex!

No oriente a decadência financeira era tão grande que a moeda com que os filhos da Sra. Kerner pagavam o aluguel do apartamento em que reconstruíram a história dela, era o equivalente a conta telefônica do namorado de Ariane lá na parte Ocidental. Mesmo a moeda sendo desvalorizada, Alex lamentou só ter descoberto o dinheiro que a mãe escondia na gaveta do armário (que estava no lixo), após ter terminado o prazo para a troca da moeda que vigorou depois da unificação. A cena em que o rapaz aparece sobre um alto prédio e joga as várias cédulas para o ar e essas se espalham pela cidade, ilustram a liberdade em relação ao anterior sistema político. Quanto aos gritos, sugere a comemoração a uma nova vida.

Nas visitas constantes a sua mãe hospitalizada, ele reencontrou Lara (Chulpan Kahamatova), uma bela jovem que havia conhecido durante a manifestação do dia em que sua mãe passou mal, logo iniciaram um romance, uma evidência de que enquanto ‘alguns morrem outros nascem’. Morria inconscientemente o vinculo maternal e nascia união romântica; e implicitamente morria um sistema político e nascia outro. Bem como, a chegada de um novo bebê na família Kerner reforçava o nascimento do capitalismo sobre a poeira do socialismo.

A mentira no filme desencadeia outras mentiras. Primeiro é a mãe que esconde a verdadeira razão do pai não ter voltado para casa e agrava ainda mais, ao dizer que ele nunca mandou notícias. Depois o filho que reconstitui a história com a participação da família, vizinhos, amigos e até inimigos (o diretor da escola que ela lecionava) para viver a faça de que a Alemanha continuava imperando. Entretanto, Lara incomodou-se com esse ‘teatro’ a ponto de contar a verdade a sua futura sogra, porém gerou uma nova mentira: a mãe finge que nada sabe, quando o filho exibe um filme, do suposto grande trunfo do socialismo ao levarem a estatua de Lênin para a aliada Alemanha Ocidental. Enfim, seria o socialismo a grande mentira? Ou o capitalismo que nos transforma em grandes mentirosos, subordinados a uma falsa liberdade?

A linear narrativa fílmica em Adeus, Lênin! embora seja única, entrecruzam várias histórias reais. Além do astronauta, o cineasta conseguiu fotografia de figuras como: Erich Honecker, que governou a RDA (ou Alemanha Oriental) de 1971 a 1989; Mikhail Gorbatchov, o derradero líder (1985-1991) da URSS; Helmut Kohl, primeiro chanceler da Alemanha reunificada.

A riqueza e fidelidade aos detalhes históricos, embora esses sejam apenas pano de fundo na narrativa, foi graças a formação do cineasta Wolfgang Becker. Formado em História com especialização em história alemã, norte-americana e especializado também em literatura, tudo isto pela Universidade Livre de Berlim. Ele nasceu do lado Ocidental e como o muro os dividia, não vivenciou os anseios dos jovens orientais, sobretudo pelo fim da sensura. Mas por meio do estudo biográfico daqueles que foram testemunhas oculares da repressão à liberdade, que ele compos uma obra fictícia, com pano de fundo real, cheio de simbolismos um tanto quanto ideologicos, embora sem desrespeitar a história do oeste.

Ao elaborar o roteiro a tentativa de Wolfgang Becker era encontrar um jovem da antiga Alemanha Oriental, para garantir o sotaque típico da região, visto que não conseguiu, contratou um profissional para fazer o papel principal, que se encaixou perfeitamente no papel, principalmente por ser emotivo.

A história se passa em dias ensolarados, no verão, portanto as questões climática, embora externas ao filme, são determinantes para as gravações. A cena que se passa na cabana abandonada, exemplifica outro fator externo que influencia na perfeição das imagens exibidas nas telas. Necessitavam alí de ervas daninhas, para tanto, contrataram um jardineiro/paisagista para plantá-las e ambientizar a cena desejada, porém porcos espinhos alimentaram-se das ervas que haviam crescido. Tiveram que esperar por mais tempo para gravar essas películas.

Depois de alguns imprevistos, o filme chegou a sua versão final. O sucesso de bilheteria, grangeado internacionalmente, lhe garantiu alguns prêmios, dentre eles em 2003: Prêmio do público de melhor diretor por Good Bye, Lenin!; 2003: Indicação de melhor diretor por Good Bye, Lenin!; 2004: BAFTA (Britsha Academy of Film and Television Arts) – Reino Unido – foi indicado para o prêmio de melhor filme em língua estrangeira. No Brasil, foi extreado no mesmo ano do seu lançamento, em dezembro de 2003 estava nas tela dos cinemas paulistas.

REFERÊNCIA:
Adeus, Lênin! Direção: BECKER Wolfgang. Roteiro: BECKER Wolfgang. Alemanha: Imagem, Sony, 2003, 118 min.

Nenhum comentário: